Hagia Sophia: atração imperdível em Istambul

hagiasofia01

Não se vai à Turquia para se mimetizar com os locais. O que se quer é ser surpreendido, chocado, mesmerizado. E você vai conseguir tudo isso de prima. Essa sensação se deve muito às atrações ligadas às religiões. Delas, a mais impactante é a Hagia Sofia.

hagiasofia02

Imaginemos que você é passageiro de um cruzeiro e tenha UMA TARDE apenas em Istambul: de modo algum pode perder a Hagia Sophia. Pronto, dei a medida da relevância da atração.

hagiasofia03

Em Istambul, o mais blasé dos viajantes – há quem não se ache turista- não pode passar incólume à alta turistagem. Não adianta, os programas turísticos são inescapáveis. E a Hagia Sophia está no topo, ao lado da Mesquita Azul. Sinceramente, eu não saberia dizer qual é a mais interessante.

hagiasofia04

A Hagia Sophia na verdade é a fusão de  vários períodos históricos em um só monumento: o primeiro deles foi inaugurado por volta de 350 pelo filho de Constantino, Constantino II. Batizada como Megale Ekklesia, Igreja Grande, acabou incorporando o nome Sophia, no sentido de “sabedoria”, no século V.

hagiasofia05

Era um templo cristão, sendo Sophia a sabedoria divina do Deus feito homem, Cristo. Não há muitos vestígios dessa primeira Hagia Sophia. Reza a lenda (ou será a história?) que Juliano, o Apóstata, o último imperador romano pagão, pretendia transformá-la num celeiro: queria guardar feno na nave central e os animais, em estábulos nas laterais.

hagiasofia06

Graças à Tutátis ele não regressou da Pérsia e a linda basílica (que naquele tempo nem era tão linda assim) pôde continuar sofrendo as intervenções realizadas por duas religiões para se transformar no que a gente vê hoje.

hagiasofia07

Mas, antes de chegar lá, passou pela segunda Hagia Sophia. Credita-se as obras dessa segunda basílica a Teodósio II, que proibiu as imagens sagradas nos mosaicos do chão, e teve lugar após um incêndio ocorrido em 404. Supõe-se que seu teto era de madeira e, por isso, não sobreviveu a outro incêndio ocorrido em 532 e que levou à terceira Hagia Sophia.

hagiasofia08

A reconstrução da basílica terminou em 537 e muitas lendas cercam o feito. Dizem que foi realizada por cerca de 10 mil homens a mando do Imperador Justiniano. A cúpula foi feita com ladrilhos fabricados em Rhodes e a cada doze deles, foram colocadas relíquias dos santos; os operários oravam enquanto trabalhavam.

ayasofia09

Dizem que as colunas verdes existentes nos dois lados da nave vieram do Templo de Artêmis, uma das doze maravilhas do mundo antigo, localizada em Ephesus. Provavelmente não passa de uma lenda, que se perpetuou em razão da grandiosidade das peças. Cada uma delas é feita de um único bloco de um tipo de mármore extraído da Tessália.

ayasofia10

Em 557 sofreu mais um dos vários terremotos que se seguiram, fazendo com que fosse reconstruída ainda diversas vezes. A mudança mais significativa se deu após a conquista turca, quando os elementos islâmicos foram acrescentados. Inscrições corânicas podem ser vistas nos belos medalhões que foram colocados no alto e também na bela cúpula dourada.

ayasofia11

O contraste entre a riqueza do interior da igreja e o seu exterior simples mostra o quanto se queria surpreender aqueles que nela entravam, sensação que continua se repetindo para cada um que  a visita até os dias de hoje. Foi utilizada como igreja por 916 anos.  Após a conquista de Constantinopla por Fatih Sultan Mehmed, foi convertida em mesquita. Em 1935, Atatürk transformou-a em museu.

ayasofia12

Endereço: Ayasofya Square, Sultanahmet, Istambul

Telefone: +90 (212) 522-1750

Horário de funcionamento: de 9h às 19h no verão (15 de abril a 1º de outubro) e 9h às 18h no inverno (1º/10 a 15/4). Admissão até 1 hora antes de fechar. Fecha às segundas.

Preço: 30 TL (trinta liras turcas)

Mais informações: Ayasofya Muzesi

Fonte histórica: Fatih Cimok – Hagia Sophia

Bolhas nos pés no meio da viagem, e agora?!

Alguns assuntos que surgem nos blogs de viagens já foram tão explorados que eu prefiro ficar na minha, por imaginar que não terei nada novo ou relevante para acrescentar. Mudei de ideia quando debatemos o assunto em um grupo no Whatsapp formado por viajantes bastante experientes, a maioria blogueiros de viagem.

Quando eu imaginava que não houvesse assunto relacionado a viagens que essa turma não dominasse, salta a Natalie pedindo socorro, pois estava na Alemanha, com bolhas nos pés, e pedia dicas sobre o que usar para poder continuar a viagem dela livre do perrengue.

Bom, se a Natalie, que viaja mais que piloto de Formula 1 na temporada, estava em apuros, eu vi que egoisticamente estava guardando uma dica que pode salvar a viagem de quem está com o pé ferido e ainda tem uns bons quilômetros para bater perna. A solução é simples, barata e eficaz.

Compeed1

 

Eu descobri o Compeed em Paris, no meio de uma viagem e nem lembro mais quem me deu a dica (sorry!). O importante é que ele salvou meus pés de muita dor. O Compeed é um adesivo que contém um cicatrizante que em contato com a pele, vai recuperando a lesão ao mesmo tempo em que isola a área machucada da fricção com o sapato. Por mais ferido que os pés estejam, assim que você põe o adesivo, já dá um super alívio nas inevitáveis caminhadas.

Compeed2

Custa em torno de 7 euros, um pouco mais ou um pouco menos, a depender do modelo, e vende em todas as (ótimas!) farmácias da França. Se estiver de passagem marcada para lá, recomendo que faça uma comprinha e nunca mais deixe de fora da sua nécessaire de viagem, pois nunca se sabe quando vai ser preciso usar.

A Patrícia, do Turomaquia, já tinha feito um post sobre um outro produto da mesma marca, para ser usado antes de criar bolhas, confira aqui: http://turomaquia.com/acessorio-de-viagem-um-anti-bolha/

E você, conhece produtos similares, de outras marcas, que podem ser encontrados em outros países? Tem algum truque infalível para não lesionar os pés durante as viagens? Divide aqui com a gente!

 

La Trappe Bier: como é visitar uma cervejaria holandesa

 

Tenho uma sobrinha que está morando na Holanda, fazendo doutorado-sanduíche. Como nem tudo na vida do doutorando é trabalho, ela visitou uma cervejaria holandesa e aceitou gentilmente compartilhar com o ABC de Férias a sua experiência:

Morando a alguns meses na cidade de Breda, Holanda, já tinha a intenção de visitar algum(a)(s) dessas cervejas fabricadas de modo artesanal, por monges. É isso mesmo, cerveja aqui é tão boa que, já ganha o status de sagrada durante a fabricação. A escolhida foi a La Trappe, localizada a 30 minutos de trem, na cidade de Tilburg. A cervejaria leva o nome da aldeia de origem dos monges trapistas, abadia francesa de “Notre-Dame de La Grande Trappe, na Normandia, Soligny-la-Trappe  ou La Trappe somente.

2.detalhefachadatrappebier

Decidida a cervejaria, a providência seguinte foi marcar um tour e organizar um grupo. É assim, não sei se posso generalizar a toda a Holanda, mas aqui a sensação que tenho é que todo mundo já nasce falando inglês Em três meses vivendo neste país nunca passei um sufoco que a comunicação em inglês não desse jeito. Entretanto, a visita a essa fábrica é uma coisa muito dutch (mais um motivo para você visitar e conhecer mais da cultura local) e as visitas, portanto, são normalmente conduzidas em holandês. Mas um contato prévio realizado através de email (proeflokaal@latrappe.nl) permitiu que a nossa visita guiada fosse agendada para ser em inglês.

Aliás, aqui na Holanda tudo é extremamente organizado e planejado. Até a distância entre uma árvore e outra plantada é planejada, a vida pessoal, tudo! Tudo tem hora e não atrasa mesmo! Então, fica a dica: se pensar em fazer qualquer visita a atrações no país, sem agendamento prévio, certifique-se de que isto é possível pois aqui o nosso “jeitinho brasileiro” não tem nem cheiro.

A cervejaria oferece as seguintes possibilidades de visitação:

  • Excursões regulares (a partir de uma pessoa) de segunda a quinta (somente no verão, de abril a outubro) às 14hs; sextas às 14hs; e aos sábados e domingos de 13:30 e de 15:30. Tempo de duração: 45min, preço: 10 euros
  • Excursões especiais:  a excursão regular inclui a degustação de (6) seis tipos de cervejas. Preço: 17,50 euros por pessoa ou 25,00 euros com snacks incluídos no preço.
  • Crianças e adolescentes: Crianças menores de 12 anos são admitidas gratuitamente (sem refresco), e os adolescentes com idades entre 12 e 16 pagam apenas € 5, incluso um refresco. Não alcoólico, é claro.

Não precisa nem dizer que ficamos com a opção da excursão com a degustação de cervejas. A visitação me surpreendeu em todos os sentidos. Primeiro por que fui preparada para visitar uma fábrica de cerveja. Mas, antes de tudo, a visita é uma imersão sobre a história e estilo de vida dos monges, da fazenda, com a exposição de artefatos antigos mantidos no local.

3.artefatos

E, segundo, por que aprendi que as cervejas podem ter tantas variações em sua fabricação quanto os vinhos. Aprendi que existe cerveja rosé e que algumas cervejas devem ser servidas na temperatura ambiente (da Holanda, claro). Há diferentes tipos de malte:

4.tiposdemalte

Após a visita guiada que durou em torno de 40 minutos, assistimos a um vídeo de 15minutos complementar sobre a história da cerveja e demos início à degustação. A cerveja branca degustamos enquanto assistimos ao vídeo.

5.whitebier

La Trappe White (teor alcóolico 5, 5%, temperatura ideal 4-6 graus). Mais consumida no verão por ser uma cerveja leve e refrescante. Uma das minhas preferidas. De longe, bem longe, far far away, podemos dizer que o sabor desta parece minimamente com o sabor das cervejas produzidas no Brasil.

A degustação das demais foi num restaurante na extensão da cervejaria, local agradabilíssimo que além de bebidas, serve refeições e petiscos.  Paga-se pela localização e pela experiência de estar numa cervejaria que cobra preços pelas refeições acima da média dos preços para locais com o mesmo padrão. Bom, seis taças de cervejas com alto teor alcóolico não é para qualquer um. Então pedimos três pratos de petiscos para compartilhar entre 8. A conta ficou em torno de 5 euros para cada pessoa.

 6.blonde bier

 La Trappe Blonde (teor alcóolico 6,5%, temperatura ideal 8-10 graus). Cerveja dourada de aroma fresco e de fruta, levemente amarga.

 7.bockbier

La Trappe Bock Bier (teor alcóolico 7%, temperatura ideal 10-12 graus). Cerveja escura, sabor maltado e mais amarga. Perfeita para tomar no inverno!

  8.isidor

La Trappe Isid’or (teor alcóolico 7,5%, temperatura ideal 10-14 graus). Ligeiramente adocicada com um toque de caramelo.

 9.triple

 La trappe Tripel  (teor alcóolico 8%, temperatura ideal 10-14 graus): de sabor leve, esta cerveja leva algumas especiarias e ervas como o coentro.

 10.quadruple

La Trappe Quadrupel: (teor alcóolico 10%, temperatura ideal 10-14 graus): ligeiramente amarga com um sabor doce. A que experimentamos tinha aroma de banana. É uma das minhas favoritas!

  Ao final da degustação você ainda pode ir na lojinha da cervejaria e comprar cervejas, quitutes e lembranças da visita. Um dos meus amigos comprou a sua cerveja favorita, a Isid’or que não existe nos supermercados de Breda. Eu comprei a quadruple por pura tentação, pois o supermercado fica ao pé de casa e eu tenho ela facilmente pelo mesmo preço módico de 7 euros o pacote com 6 garrafas pequenas.  Essas cervejas são especiais, nem todas você encontrará em supermercados na Holanda, sendo mais fácil encontrar em lojas especializas e alguns cafés. No Brasil, não faço ideia. Outro souvenir delicioso que vale a pena são os biscoitos caseiros de fécula também fabricados pelos monges. É uma delícia e também é típico da região.

A excursão foi aprovadíssima! Todos saíram felizes e já sugerindo fazermos a mesma programação para outras cervejarias na Holanda.

Como reservar: mande um e-mail em inglês para proeflokaal@latrappe.nl

Telefone: +31 (0) 13 572 26 50  Fax: +31(0) 13 543 74 72

Localização: Eindhovenseweg 3 – Berkel-Enschot – Postbus 394 – 5000 AJ Tilburg – The Netherlands

Site: www.latrappetrappist.com

Como planejar sua ida a partir de qualquer localização na Holanda: http://9292.nl/en/journeyadvice/station-breda/tilburg_bushalte-trappistenklooster-koningshoeven/arrival/2014-02-10T1123 Ao abrir o link, clique em “change journey” e insira os dados da sua localização, da data em que você quer fazer sua visitação e, para não se atrasar, a hora em que você precisa chegar ao destino.  

Preço: essa degustação custou 17,50 euros por pessoa. Outras opções encontram-se destacadas no texto.

Bia, obrigada pelo seu relato detalhado! É um programa que certamente irá entrar na minha lista de desejos.

 

Peru: planejamento, dúvidas e ansiedade.

Coisa boa é você adicionar uma categoria num blog de viagens. Isso significa que um lugar totalmente novo foi conhecido ou está em vias de ser visitado em breve. Esse é o caso do Peru. Os amigos mais próximos sabem que há pelo menos dez anos estamos tentando fazer com que esse destino saia do papel, sem sucesso. Pelos mais diversos motivos. Em 2004 chegamos a conseguir reservar os trechos nas datas desejadas via Smiles, voando Varig, e no último minuto antes de emitir o bilhete, acabamos optando pelo Chile, Santiago e Região dos Lagos, que era nosso plano B. Naquele tempo, uma passagem para Lima custava o equivalente a novecentas doletas, o que tornava a viagem interessante somente se conseguíssemos os bilhetes por programa de milhagem. Voar para a Europa custava praticamente a mesma coisa.

É claro que viajar com milhas continua sendo muito bom, mas  como a concorrência sempre faz bem ao mercado, a chegada da TACA acabou puxando os preços para baixo e tornou a compra das passagens bem mais palatável. Eis que, naquele momento de indefinição das próximas férias, em que ainda estão presentes mil e uma possibilidades, acabamos conseguindo Fortaleza – São Paulo – Lima – São Paulo – Fortaleza por 30 mil pontos pelo Fidelidade TAM, ou seja, convidativos 15 mil pontos por cada trecho. Só não foi melhor porque não fiz o que manda a cartilha do viajante diligente, que era ter tirado, no mesmo bilhete da passagem internacional, os trechos internos, dentro do Peru. Em minha defesa, explico que não tirei pelo fato de que ainda não tinha um roteiro pré-definido, não sabia quantos noites passaria em cada lugar, para informar, por telefone, ao atendente da companhia aérea, quais as datas em que seria feito o stopover em Lima e em que seguiríamos viagem para Cusco.

Com essa indefinição na cabeça, resolvi tirar apenas o bilhete internacional, para não perder a ótima relação custo-benefício da utilização dos pontos. De qualquer forma, fica aqui a dica: se você já sabe, de antemão, o roteiro da sua viagem, sugiro ligar para o seu programa de milhagem e pedir todos os trechos. Não dá para tirar pelo site, pois não há previsão Fortaleza-Cusco com stopover. Confesso que não sei como é se a saída for de São Paulo. Uma vez definido o roteiro, comprei as passagens internas no site da Star Peru. Depois conto como foi.

Reservei meus hotéis todos através do Booking, baseados em localização, localização e localização :mrgreen: Bom, os reviews tiveram lá seu peso, principalmente aqueles feitos em outros blogs pelos seus leitores. Usei dois blogs em minhas pesquisas: o Sundaycooks, do Fred Marvila e da Natalie, nossa Bóia Paulista, e o Dividindo a Bagagem, da querida Lu Malheiros. Recomendadíssimos.

No Sundaycooks, vi ótimas referências sobre a Mariela Ochoa, da agência peruana Qorianka Tours. Usei os serviços da agência para destrinchar os passeios que faremos em Cusco e Machu Picchu (mas ainda deixei um dia livre em Cusco, just in case.) Agora faltam poucas semanas para essa viagem e já estou ansiosa. Os guias são insuficientes para dar um preview satisfatório do que vem por aí, então resolvi entrar um pouco no clima e comecei a ler O herói discreto, do Mario Vargas Llosa, para ir entrando no clima.

Quem quiser acompanhar a viagem em tempo real, pode me seguir pelo Twitter, @lilianesonsol ou pelo Instagram, também @lilianesonsol.  Oremos para Nossa Senhora do Wi-fi Poderoso para que as conexões permitam carregar coisas bonitas na telinha e na retina de vocês a partir do dia 12 de abril.

Sobre minha paixão pela Turquia (Ou: da origem de todas as coisas)

Tecelã, Capadócia

Sempre soube que conheceria a Turquia. Antes mesmo de ter discernimento para saber o que é um país, ouvia minha mãe se referir a ela. Seu pai, Henri Baruch Sonsol, judeu, havia nascido em Esmirna e  emigrado para o Brasil na década de 1920. Cidadão francês, já que era filho de franceses que tinham se mudado para a Turquia para plantar figo e enviá-los para a França, nasceu ali até vir para o Brasil, motivado por fatos importantes da nacionalização do estado turco, promovida por Ataturk, que nesse processo foi responsável por expulsar os estrangeiros do país. Conheceu minha avó, natural de Pacoti, Ceará, e se desgarrou do resto da família, que preferiu o Rio de Janeiro para viver.

Escutei relatos extraordinários e curiosos sobre ele a vida toda. Falava nove línguas: francês, turco, grego moderno, grego antigo, espanhol, italiano, português, hebraico e mais uma, que minha mãe acredita que fosse aramaico, mas pelo contexto, é mais provável que ele falasse ladino. Já podia parar por aí. Mas, como se não bastasse, era ambidestro, pois havia sido educado numa escola militar francesa em Saint-Cyr, onde todos deviam aprender e a escrever com as duas mãos, para o caso de perder uma delas em prováveis guerras. Era também profundo conhecedor de literatura francesa e de filosofia. E para os apaixonados por viagens, como eu, possuía um passaporte emitido pelo Império Otomano (capa preta, um crescente em alto relevo, caracteres de um alfabeto extinto, uma coisa formidável guardada até hoje como relíquia pela minha mãe).

Rosário islâmico de oração, Goreme

Infelizmente, sou a única neta que não o conheceu, pois ele já havia falecido quando nasci. Mas meus irmãos, minha mãe e minha Tia Avó Nair diziam que ele era reservado, boníssimo e  (*) tinha uma relação pitoresca com o dinheiro (como muitos que tiveram suas vidas salvas pelo que possuíam e, em algum momento, precisavam reconstruir suas vidas ). Por todas essas razões, a Turquia sempre ocupou meu imaginário e foi objeto de muita curiosidade de minha parte. Uma relação quase atávica, ligada a minha ancestralidade. Do meu avô, herdei o gosto e a facilidade para aprender línguas e a absoluta ojeriza a frutos do mar. Coisa de sangue, inexplicável.

Igreja Chora

Igreja Chora, Istambul

Outras familiaridades, só descobri quando fui avançando para o Oriente: primeiro, Croácia, depois Turquia, me mostraram que uma receita familiar, só vista antes dentro de casa no livro de receita da minha mãe, podia ser encontrada em cada esquina: as deliciosas burekas, que provei uma só vez, mas cuja sonoridade do nome me era tão familiar constavam dos cardápios das lanchonetes mais simples desses países. Somente isso já me trouxe uma alegria genuína ao andar pelas ruas desses lugares.

Bairro judeu, Izmir

Mas o que eu só iria descobrir quando pusesse os pés na Turquia é que ter sua ancestralidade ligada a esse lugar não era exclusividade minha. O que dizer de um país cujo território guarda elementos ligados à religiosidade cristã, como o Monte Ararat, onde, diz a Bíblia, ficou a Arca de Noé, ou que tem como ponto de visitação as cavernas onde se escondiam os cristãos do século I ou, ainda, o local onde viveu e morreu Maria, a mãe de Jesus? Você nem precisa ser religioso para reconhecer e se sentir íntimo dos lugares mencionados: Ephesus, Capadócia, Monte Ararat, entre outros que, quando citados, me fizeram rememorar histórias ouvidas no Colégio Santo Inácio, onde estudei durante 10 anos.

Ruínas, Ephesus

Essa familiaridade é o elo ambivalente que me une à cultura local. A Turquia também é estranheza, curiosidade e, por isso, aprendizado.  A história do meu avô está completamente entrelaçada com a história da Turquia, por motivos que só compreendi quando a visitei. Começando por Istambul, tudo lá se chama Ataturk, do aeroporto a avenidas importantes. O que eu não sabia é que Ataturk era o mesmo Mustafá Kemal Pashá, responsável por ter perseguido os estrangeiros, tomado suas terras e os expulsando do território turco, como minha mãe narra com certo ressentimento.

Ruínas, Hierápolis

Através da evolução geográfica e histórica da Turquia, compreendi fatos curiosos que minha mãe contava. Como uma vez, em que tocaram a campainha de sua casa na Rua 24 de Maio, no Centro, atrás do meu avô, para servir como tradutor de um médico que estava sendo chamado ao porto. O médico deveria atender uma urgência em um navio grego: o marinheiro urrava de dor. Com a ajuda do meu avô conseguiram descobrir que o pobre coitado estava enfrentando uma dor de barriga daquelas e ao final, agradecido, virou para o meu avô e disse que ele “falava como um grego”. Isso não fazia o menor sentido pra mim, até visitar Bodrum e Kusadasi, no Mar Egeu, e perceber que aquilo ali tudo só podia mesmo ter pertencido a uma mesma nação. Havia uma clara identidade, era tudo a cara da Grécia (questão de perspectiva, a turística Grécia habita desejos viajísticos da humanidade ocidental há mais tempo)!

Skyline, Izmir

Linda imperdível, única. Claro, era tudo Império Otomano no passado, por isso o grego era uma língua nativa para o meu avô. O Império Otomano é uma Pasárgada, um Macondo, uma Shan-gri-lá, uma Lilipute, um verdadeiro País das Maravilhas, com a diferença que aquele você pode visitar e perceber com os próprios olhos a identidade que une os dois países. Não estou obliterando a guerra entre a Turquia e a Grécia, mas só assim faz sentido mencionar Halicarnasso, Éfeso, Mileto, Tróia, Hierápolis e Mármaris e NÃO pensar na Grécia. O turista que se larga até lá descobre que todas ficam na Turquia.

Pôr-do-sol, Izmir

Eu estive, claro, em Izmir, mesmo ela não fazendo parte do roteiro turístico mais comum. Entendi o porquê de tantos membros da família terem ficado no Rio de Janeiro (onde mais eles encontrariam, no Brasil, um recorte tão lindo de mar e montanhas?!). Vi o bairro judeu, com suas ruas estreitas, suas casas de pedra e sua antiga sinagoga. Sabia que estava andando por ruas que meu avô pisou. Mas o que mais me emocionou foi o pôr-do-sol visto da sua orla. Meu avô teve que dizer adeus à terra em que viveu sem olhar para trás. Penso até hoje na tristeza que ele devia sentir por nunca mais ter podido olhar aquele pôr-do-sol, tentando gravar na memória os cheiros, os sons e o que mais a minha memória permitisse. Até o dia em que eu voltar lá.

O sol se despede, Izmir

 

* Faço aqui uma reflexão motivada por um comentário no blog: retirei a expressão “um judeu típico em sua relação com o dinheiro (como não!)” desse trecho por soar um tanto quanto preconceituosa. Peço desculpas a quem tiver se sentido ofendido.

Powered by WordPress | Designed by: WordPress Themes | Thanks to best wordpress themes, Find WordPress Themes and Themes Directory
%d blogueiros gostam disto: